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união - CORONAVÍRUS / INDÚSTRIA TÊXTIL / nota técnica nº 202

23 Setembro 2020 | Tempo de leitura: 15 minutos
Diário Oficial da União

Esclarecimentos sobre o enquadramento sanitário de produtos fabricados por têxteis de propriedade antiviral ou antibacteriana, no âmbito de atuação da Gerência-Geral de Tecnologia de Produtos para a Saúde.

Diploma Legal: Nota Técnica nº 202
Data de emissão: 23/09/2020
Data de publicação: 23/09/2020
Fonte: Diário Oficial da União
Órgão Emissor: ANVISA - AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA

Nota da Equipe Legnet

1. Introdução

A Anvisa tem recebido, por diferentes canais de comunicação, solicitação de esclarecimentos sobre o enquadramento sanitário, a eficácia e regularidade de produtos fabricados por têxteis de propriedade antiviral ou antibacteriana. Esses produtos compreendem uma diversa gama de artigos, incluindo vestimentas, tecidos para estofados de veículos, máscaras faciais, calçados, dentre outros. Existe a preocupação sobre a eficácia e regularidade sanitária de tais produtos, dado o contexto de disseminação do novo coronavírus (Sars-CoV-2). Diante disso, esta Nota Técnica se propõe a apresentar esclarecimentos sobre o possível enquadramento sanitário, como produtos para a saúde, de produtos fabricados com têxteis de atividade antiviral e antibacteriana.

2. Têxteis

2.1 Têxteis Técnicos com Atividade Antiviral ou Antibacteriana

Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Não Tecidos e Tecidos Técnicos, têxteis técnicos se referem aos materiais constituídos de fibras, fios, filamentos, em diferentes arranjos, com aplicações de desempenho bem determinado, tais como segurança, durabilidade e praticidade1. São diversos os materiais que podem ser utilizados na fabricação de têxteis técnicos, podendo ser constituídos de fibras naturais ou sintéticas. A depender das características de desempenho desejadas para cada tipo de aplicação, esses tecidos são empregados por meio de diferentes processos de fabricação e diversos componentes adicionais, tais como materiais condutores ou agentesantimicrobianos2,3.

Os têxteis técnicos possuem inúmeras aplicações, incluindo seu uso no setor de fabricação de uniformes (vestimentas com resistência à chama ou ao frio, por exemplo), na construção civil (mantas de contenção de erosão, isolantes térmicos, dentre outros) ou no setor médico4. Nesse último caso, a aplicação dos têxteis técnicos pode ser observada na fabricação tanto de implantes quanto de produtos têxteis descartáveis, como aventais de proteção, campos cirúrgicos, máscaras faciais e outros5. Fora do escopo de uso profissional, os têxteis técnicos também podem ser utilizados para fabricação de roupas para praticantes de esportes, por meio de tecidos que evitam a proliferação de bactérias ou que propiciam conforto térmico, por exemplo6.

No contexto de emergência de saúde pública relacionada ao vírus Sars-CoV-2, causador daCovid-19, produtos constituídos de têxteis técnicos têm sido comercializados no Brasil, para os quais é atribuída atividade antiviral ou antibacteriana. Tais produtos incluem tecidos de estofamentos de veículos, vestimentas, máscaras de proteção facial, dentre outros.

De acordo com revisão recente sobre superfícies antivirais, que podem ser utilizadas, inclusive, na fabricação de equipamentos de proteção individual, vestimentas e em superfícies de espaços públicos, os seus possíveis mecanismos de ação incluiriam desinfecção direta e indireta ou ações específicas, como ligação a receptores dos vírus. Dentre as superfícies artificiais com propriedades de desinfecção direta, os autores citam a prata e suas nanopartículas, já reconhecidas como agentes antibacterianos, antifúngicos e antivirais de amplo espectro. Por sua vez, a desinfecção indireta seria propiciada por partículas metálicas ou inorgânicas com ação antiviral após ativação por calor ou luz, por exemplo. Por fim, recobrimentos antivirais de ação específica também podem ser desenvolvidos por modificação química, utilizando pequenas moléculas que possuiriam afinidade e capacidade de captura de vírus com posterior ação nas espículas do vírus, proporcionado maior dificuldade à entrada do vírus nas células humanas7.

Verifica-se, portanto, a existência de diversas tecnologias com potencial uso na fabricação de têxteis antivirais ou antibacterianos.

2.2 Produtos Médicos Fabricados por Têxteis Técnicos com Atividade Antiviral ou Antibacteriana

De acordo com a Resolução – RDC nº 185, de 22 de outubro de 2001, produto médico é definido como:

Produto para a saúde, tal como equipamento, aparelho, material, artigo ou sistema de uso ou aplicação médica, odontológica ou laboratorial, destinado à prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação ou anticoncepção e que não utiliza meio farmacológico, imunológico ou metabólico para realizar sua principal função em seres humanos, podendo, entretanto, ser auxiliado em suas funções portais meios.

Considerando o disposto no Art. 25 da Lei nº 6.360, de 23 de setembro de 1976, e a Lei nº9.782, de 26 de janeiro de 1999, é de responsabilidade da Anvisa a regulação de produtos médicos. Nessa categoria estão compreendidos os materiais médico-hospitalares, dentre os quais se incluem alguns tipos de equipamentos de proteção individual destinados a profissionais de saúde, como luvas, aventais cirúrgicos e equipamentos de proteção respiratória (máscaras cirúrgicas, máscaras N95 ou equivalentes), bem como vestimentas com indicação de uso terapêutica (para tratamento de dermatite atópica, por exemplo). Portanto, os produtos acabados fabricados com têxteis técnicos para os quais é atribuída atividade antiviral, antibacteriana ou antimicrobiana, que sejam de aplicação médico-hospitalar ou que se refiram a equipamentos de proteção individual de profissionais de saúde, são considerados produtos para a saúde e devem ser regularizados junto à Anvisa na Gerência-Geral de Tecnologia de Produtos para a Saúde (GGTPS), conforme regulamentação vigente.

2.3 Requisitos Regulatórios de Produtos Médicos Fabricados por Têxteis Técnicos com Atividade Antiviral ou Antibacteriana

A Resolução da Diretoria Colegiada – RDC/ANVISA nº 56, de 6 de abril de 2001, estabelece que os produtos para saúde devem possuir o desempenho atribuído pelo fabricante e executar suas funções conforme especificações apresentadas na regularização do produto. Além disso, prevê critérios de segurança e compatibilidade biológica entre o produto e o tecido biológico com o qual apresente contato. Dessa forma, para os produtos constituídos de têxteis técnicos com atividade antiviral, antibacteriana ou antimicrobiana, e que são considerados dispositivos médicos, é de responsabilidade do fabricante a demonstração da segurança e eficácia de seus produtos frente às particularidades de cada dispositivo médico e alegações de desempenho propostas.

Esclarece-se, ainda, que para regularização desses produtos são necessárias informações técnicas gerais, bem como ensaios providenciados pelo fabricante que atestam a sua propriedade antiviral ou antibacteriana. É importante destacar que as máscaras cirúrgicas, os respiradores filtrantes para partículas (PFF) classe 2, N95 ou equivalentes, e as vestimentas hospitalares que possuam têxtil técnico com propriedade antiviral ou antibacteriana também devem atender a todos os requisitos estabelecidos pela Resolução - RDC nº 356, de 23 de março de 2020, incluindo as especificações das matérias-primas que devem ser utilizadas na fabricação desses produtos.

Conforme disposto anteriormente, diferentes tecnologias e substâncias, envolvendo diversos mecanismos de ação, podem ser empregadas na fabricação de têxteis técnicos com a finalidade antiviral ou antibacteriana. Verifica-se que, de forma geral, essas ações ocorrem na superfície do próprio têxtil técnico, com a finalidade de limpeza e desinfecção do próprio tecido. Nesse sentido, a norma técnica ISO 18184:2019 - Texles - Determinaon of anviral acvity of texle products - reforça que tecidos antivirais são aqueles capazes de reduzir o número de partículas infectantes de vírus que entram em contato com a superfície do tecido. Assim, a utilização de têxteis com eventual ação antiviral ou antibacteriana na fabricação de máscaras cirúrgicas e respiradores filtrantes para partículas (PFF) classe 2,N95 ou equivalentes, não dispensa a atenção quanto a outros aspectos fundamentais de eficácia, tal como eficiência de filtragem bacteriana e de partículas.

2.4 Produtos de Uso Não Profissional Fabricados por Têxteis Técnicos com Atividade Antiviral ou Antibacteriana

Produtos como equipamentos de proteção individual para utilização em outros setores que não o de saúde, como vestimentas e calçados para uso geral da população, tecidos utilizados para estofamento, máscaras faciais para uso não profissional, incluindo os casos nos quais esses artigos são fabricados com tecidos de propriedade antiviral, antibacteriana ou antimicrobiana, não são regularizados como dispositivos médicos, pois não se enquadram no conceito de produto médico estabelecido pela Resolução - RDC nº 185, de 22 de outubro de 2001. Portanto, não são passíveis de regularização junto à Gerência-Geral de Tecnologia de Produtos para Saúde - GGTPS.

2.5 Outras Informações Relevantes

Apesar de os produtos de uso não profissional fabricados por têxteis técnicos com atividade antiviral ou antimicrobiana citados no tópico 2.4 não serem regulados como dispositivos médicos, é fundamental salientar que a doença Covid-19 é, primariamente, uma doença respiratória com transmissão entre pessoas, principalmente por meio de gotículas respiratórias. O uso de vestimentas ou estofados fabricados por tecidos de propriedade antiviral, embora possa contribuir com certo nível de inativação viral na superfície desses objetos e, potencialmente, minimizar a probabilidade de contaminação indireta pelo contato, não garante proteção total contra o vírus Sars-CoV-2.

Ademais, é relevante ressaltar que a presença dos recobrimentos antivirais ou antibacterianos em máscaras faciais para uso não profissional, devido ao fato de atuarem essencialmente na superfície do tecido, não está necessariamente relacionada a uma maior eficiência de filtragem de partículas e de bacteriana. Nesse contexto, é necessário reforçar que o uso de tais produtos não dispensa a adoção de outras medidas de proteção como distanciamento físico, higienização adequada das mãos, evitar presença em aglomerações, conforme preconizado pelas autoridades de saúde8,9. Adicionalmente, apesar de essa categoria de produtos não ser objeto de regularização por parte da GGTPS, é essencial pontuar que os têxteis técnicos de atividade antiviral ou antimicrobiana de uso não médico necessitam apresentar perfil favorável de segurança à saúde, além de se mostrarem eficazes contra os agentes microbianos ou virais para os quais seu uso é indicado 2.

Por fim, conforme orientado pela Organização Mundial de Saúde, e devido à limitada evidência científica disponível, o uso de máscaras de tecido como uma alternativa às máscaras de uso profissional não é considerado apropriado para proteção de trabalhadores de saúde8. Para que uma máscara seja recomendada para uso profissional na área de saúde, ela deve ser classificada como dispositivo médico e atender às normativas aplicáveis, incluindo a Resolução - RDC nº 356, de 23 de março de 2020. Dessa forma, mesmo que o tecido da máscara facial não profissional possua atividade antiviral ou antibacteriana, ela não é considerada apropriada ou indicada para profissionais de saúde durante a sua atuação. Recomenda-se atenção aos documentos "Orientações gerais – Máscaras faciais de uso não profissional"9 e "Orientações para serviços de saúde: medidas de prevenção e controle que devem ser adotadas durante a assistência aos casos suspeitos ou confirmados de infecção pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2)"10, elaborados pela Anvisa. Esses documentos esclarecem o público alvo, contraindicações e formas de uso envolvidos no uso das máscaras faciais de uso não profissional, bem como recomendam medidas a serem implementadas para a prevenção e o controle da disseminação do novo coronavírus (Sars-CoV-2) em serviços de saúde, incluindo os tipos de máscaras recomendadas em cada ambiente desses serviços.

3. Conclusão

Em face do exposto, fica esclarecido o que se segue:

1- Os produtos fabricados com têxteis de propriedades antiviral, antibacteriana ou antimicrobiana são enquadrados como produtos para a saúde quando atenderem ao conceito de produto médico estabelecido pela Resolução - RDC nº 185, de 22 de outubro de 2001. Nesse contexto, incluem-se os materiais médico-hospitalares, como equipamentos de proteção individual destinados a profissionais de saúde, a saber, luvas, aventais cirúrgicos, máscaras cirúrgicas e respiradores filtrantes para partículas (PFF) classe 2, N95 ou equivalentes. A esses artigos são aplicáveis todas as regulamentações vigentes relacionadas a produtos para a saúde.

2- Demais dispositivos de uso geral com ou sem propriedades antiviral, antibacteriana ou antimicrobiana, como equipamentos de proteção individual para utilização em outros setores que não o de saúde (a exemplo de máscaras faciais de uso não profissional), tecidos utilizados para vestuário ou estofamentos, não são considerados produtos para a saúde, pois não se enquadram no conceito de produto médico estabelecido pela Resolução - RDC nº 185, de 22 de outubro de 2001, e portanto, não são passíveis de regularização junto à Gerência Geral de Tecnologia de Produtos para Saúde.

Referências

[1] Associação Brasileira das Indústrias de Não tecidos e Tecidos Técnicos. Manual de Têxteis Técnicos – Classificação, identificação e aplicações, 2005.

[2] Morais DS, Guedes RM, Lopes MA. Antimicrobial Approaches for Textiles: FromResearch to Market. Materials (Basel). 2016; 9(6):498.

[3] Mogahzy, Y.E. Engineering textiles: Integrating the design and manufacture of textileproducts. 2008; 1-538.

[4] Massella D, Argenziano M, Ferri A, et al. Bio-Functional Textiles: CombiningPharmaceutical Nanocarriers with Fibrous Materials for Innovative Dermatological Therapies.Pharmaceutics. 2019;11(8):403.

[5] Qin, Yimin. An overview of medical textile products. Woodhead Publishing. 2016.

[6] Fiedot-Toboła M, Ciesielska M, Maliszewska I, et al. Deposition of Zinc Oxide onDifferent Polymer Textiles and Their Antibacterial Properties. Materials (Basel). 2018;11(5):707.

[7] Z. Sun and K. Ostrikov, Future antiviral surfaces: Lessons from COVID-19 pandemic, Sustainable Materials and Technologies. 2019.

[8] Organização Mundial da Saúde. Advice on the use of masks in the context of COVID-19:Interim guidance. WHO reference number: WHO/2019-nCov/IPC_Masks/2020.4., 2020. Disponível em<h􀆩ps://www.who.int/publications/i/item/advice-on-the-use-of-masks-in-the-community-during-home-care-and-in-healthcare-se􀆫ngs-in-the-context-of-the-novel-coronavirus-(2019-ncov)-outbreak>.Acessado em 06 de agosto de 2020.

[9] Agência Nacional de Vigilância Sanitária. ORIENTAÇÕES GERAIS – Máscaras faciais d euso não profissional, 03 de abril de 2020. Disponível em<h􀆩p://portal.anvisa.gov.br/documents/219201/4340788/NT+M%C3%A1scaras.pdf/bf430184-8550-42cb-a975-1d5e1c5a10f7>. Acessado em 13 de agosto de 2020.

[10] Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Nota Técnica GVIMS/GGTES/ANVISA nº04/2020. Orientações para serviços de saúde: medidas de prevenção e controle que devem ser adotadas durante a assistência aos casos suspeitos ou confirmados de infecção pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) (atualizada em 08/05/2020). Disponível em <h􀆩p://portal.anvisa.gov.br/documents/33852/271858/Nota+T%C3%A9cnica+n+04-2020+GVIMS-GGTES-ANVISA/ab598660-3de4-4f14-8e6f-b9341c196b28>. Acessado em 14 de agosto de 2020.