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UNIÃO - CORONAVÍRUS / PROCEDIMENTO HOSPITALAR / NOTA TÉCNICA Nº 21

17 Abril 2020 | Tempo de leitura: 12 minutos
Diário Oficial da União

Orientações sobre ensaios clínicos e o uso experimental de produto de terapia avançada para o tratamento de pacientes acometidos com Covid-19.

Diploma Legal: Nota Técnica nº 21
Data de emissão: 17/04/2020
Data de publicação: 17/04/2020
Fonte: Diário Oficial da União
Órgão Emissor: ANVISA - AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA

Nota da Equipe Legnet

1. Relatório

A Anvisa está continuamente comprometida em proporcionar ambiente regulatório e orientações oportunas para apoiar a sociedade na continuidade de esforços em resposta a pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2) que tem causado a Doença do Coronavírus 2019 (Covid-19). Até o momento não há medicamentos ou outras tecnologias terapêuticas com segurança e eficácia comprovadas para a Covid-191.

Considerando a crescente demanda por pesquisas e utilização de produtos de terapia avançada para o tratamento de pacientes acometidos com a Covid-19, bem como o atual estado de calamidade pública e de transmissão comunitária do vírus em todo território brasileiro, a Anvisa faz orientações sobre a condução de pesquisas clínicas e o uso em protocolos experimentais dos produtos de terapias avançadas para tratamento da Covid-19.

Os produtos de terapias avançadas (PTA) são produtos terapêuticos, considerados medicamentos especiais2, desenvolvidos a base de células e genes humanos envolvendo processos de biotecnologia avançada. Os PTA podem ser categorizados em: produto de terapia celular avançada, produto de engenharia tecidual e produto de terapia gênica. Devido a inovação tecnológica e aos riscos envolvidos, estes produtos precisam ter sua segurança, eficácia e qualidade avaliados e aprovados pela Anvisa para poderem ser utilizados pela população. Da mesma forma, os ensaios clínicos envolvendo estes produtos devem ser previamente autorizados pela Agência. Este modelo regulatório é aplicado pela maioria dos países do mundo 3.

Em pesquisa realizada em bancos de dados sobre estudos clínicos realizados no mundo, foram encontrados cerca de 10 ensaios clínicos em desenvolvimento usando produtos de terapia celular para tratamento da Covid-19. Em geral, as abordagens incluem terapias celulares destinadas a promover a resposta imune e a gerenciar respostas inflamatórias em pacientes com a doença, bem como abordagens para reparar tecidos danificados a longo prazo.

2. Análise

O Food and Drugs Administration (FDA)4, descreve no seu o sítio eletrônico, que todos os tratamentos clínicos envolvem riscos, principalmente os com produtos de terapias celulares não aprovados, que além de não contribuírem para a melhora ou cura de determinada doença, podem também promover importantes danos, tais como crescimento tumoral, lesões teciduais, contaminação microbiana e outros riscos ao paciente podendo agravar a sua situação clinica ou mesmo leva-lo ao óbito5,6,7.

Segundo Marks et al (2017), as células de mamíferos compreendem milhares de proteínas diferentes, lipídios, carboidratos e outras moléculas, interagindo de maneira extraordinariamente complexa. Essa complexidade torna desafiador, se não impossível, prever o comportamento celular a priori quando essas células são introduzidas em um ambiente tecidual inovador sendo necessários dados de estudos controlados de segurança, bem como estudos clínicos robustos para comprovação de sua eficácia clinica 8, além de padronização e controle de processos críticos de produção, exigindo Boas Práticas de Fabricação.

A ocorrência de eventos adversos conhecidos e desconhecidos destaca a necessidade de conduzir estudos clínicos controlados para determinar se as terapias celulares são seguras e eficazes para os usos pretendidos. Sem esses estudos, não se pode determinar se os bene􀄰cios clínicos dessas terapias superam qualquer dano potencial, em estudos de bene􀄰cios e riscos.

Mais recentemente, a European Medicinal Agency-EMA9 elaborou uma Nota Técnica sobre a realização de estudos clínicos para o tratamento da Covid-19 recomendando aos patrocinadores a integrar todo o conhecimento disponível, desde os aspectos éticos, médicos e perspectivas metodológicas na tomada de decisões sobre a condução do um ensaio clínico. Além disso, a Agência faz algumas recomendações, das quais destacamos:

1) a luz da definição de prioridades devido à segurança e a disponibilidade de pacientes e funcionários, recomenda-se aos patrocinadores de ensaios clínicos planejarem previamente como os desvios ao protocolo clínico serão detectados, bem como avaliem o impacto dessas decisões no resultado dos estudos;

2) realizar uma adequada avaliação de risco do impacto das medidas relacionadas ao Covid-19 que afetam a condução de ensaios clínicos sobre a integridade e a interpretabilidade dos dados. Os patrocinadores devem realizar uma análise dos dados acumulados, a fim de avaliar as implicações no recrutamento, perda de pacientes durante o estudo, capacidade de registrar dados e de interpretar o efeito do tratamento face as medidas adotadas durante e pós-pandemia;

3) adotar medidas como, por exemplo, validação de desfechos, necessidade de ajuste de tamanho da amostra, análises adicionais a serem incluídas no Plano de Análise Estatística, propostas para lidar com quaisquer fontes potenciais de viés identificadas, como valores ausentes, eventos intercorrentes recentemente identificados, dentre outros.

A Anvisa está disponível para orientar e otimizar a autorização de ensaios clínicos no Brasil com produtos de terapias avançadas para tratamento do Covid-19, na busca de resultados satisfatórios de segurança e eficácia, baseado em racional de base científica para garantir que a inovação neste campo ofereça resultados promissores ao atendimento ao paciente.

3. Conclusão

As seguintes alternativas estão disponíveis, na regulamentação vigente, para a utilização de produtos de terapias avançadas em tratamento de pacientes acometidos por Covid-19:

a) Realização de ensaios clínicos com produto de terapia avançada investigacional no Brasil. A RDC n. 260/2018 define os critérios regulatórios para a condução de ensaios clínicos, tais como responsabilidades de patrocinadores e pesquisadores, regularização dos centros de pesquisas onde se conduzirão os experimentos, bem como as documentações técnicas necessárias referentes ao plano de investigação clínica, protocolo do ensaio em questão e os dados de fabricação do produto de terapia avançada. Para a situação de emergência em virtude da Covid-19 a Anvisa propõe uma avaliação do dossiê de ensaio clínico caso a caso, a depender do racional promissor do produto ao tratamento da doença, de forma a priorizar as analises técnicas, acelerar o processo e conformar da melhor forma possível aos requisitos regulatórios, garantindo um processo controlado, na busca de segurança ao paciente e dados confiáveis na pesquisa de comprovação de segurança e eficácia do produto para tratamento da virose. Neste momento, as equipes técnicas internas da Anvisa, bem como especialistas consultores ad hoc externos estão empenhados nas discussões prioritárias que se fizerem necessárias para colaborar nas pesquisas com produtos de terapias avançadas para Covid-19.

b) Utilização de produto de terapia avançada não passível de registro, de acordo com a RDC n. 338/202 (antecipada vigência do artigo pela RDC n. 363/2020). Esse dispositivo permite o uso de produto de terapia avançada produzido de forma não rotineira, para paciente específico, em condição de risco de vida iminente, em tratamento de doenças sem alternativa terapêutica disponível no País, sob responsabilidade de profissional legalmente habilitado. A normativa reforça que, neste caso específico, a utilização do produto experimental deve ser analisada e aprovada pelo profissional que assiste o paciente e deve ser previamente comunicada ou autorizada pela Anvisa. Com exceção dos produtos de terapia gênica, que mesmo nestes casos emergenciais precisam de uma autorização prévia, os outros produtos de terapias avançadas somente necessitam comunicar a Agência a cada utilização em paciente, mediante preenchimento de formulários disponíveis em seu sítio eletrônico. Como se trata de um produto experimental em tratamento específico a determinado paciente, devido a gravidade e não existência de uma alternativa terapêutica para o estado da doença, está vedada a comercialização de tal produto.

O uso de produto de terapia avançada não passível de registro, em regime experimental, se diferencia do uso do produto em ensaio clínico, pois se direciona exclusivamente para atender a necessidade de paciente específico, em situação emergencial, em que um profissional habilitado tenha conhecimentos ou prática clínica com determinado produto de terapia avançada, no entanto, ainda não submetido ao controle de um ensaio clínico, mas que devido as circunstâncias, o racional teórico do produto poderia, de alguma forma, beneficiar o paciente.

Preparamos um quadro comparativo e simplificado para entendimento dos dois caminhos regulatórios disponíveis, no momento nas legislações sanitárias, aplicáveis a situação da Covid-19:

Destacamos a importância de que os produtos de terapias avançadas sejam utilizados, sempre que possível, sob processos de ensaios clínicos, devidamente controlados e aprovados pela Anvisa, de maneira que o Brasil possa contribuir com dados robustos e confiáveis, que buscam a comprovação cien􀆡fica da segurança, eficácia e qualidade destes produtos para tratamento da Covid-19.

Recomendamos que os patrocinadores e pesquisadores entre em contato com a equipe técnica da Gerência de Sangue, Tecidos, Células e Órgãos – GSTCO da Anvisa, por canais oficiais de reuniões virtuais para discussão sobre as propostas de ensaio clínico.

4. Referências

1. Liu Y et al. Clinical features and progression of acute respiratory distress syndrome in coronavirus disease 2019. Medrxiv 2020. Acesso em: https://doi.org/10.1101/2020.02.17.20024166

2. RDC 338, de 20 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre o registro de produto de terapia avançada. Acesso em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/3086545/RDCti338ti2020tiCOMP.pdf/b365c029-58d9-48b2-ae0c-f84feb388704

3. ANVISA. Relatório de Análise de Impacto Regulatório sobre Registro de Produtos de Terapias Avançadas no Brasil.http://portal.anvisa.gov.br/documents/33880/5472018/25351.494647ti2015-91+-+Relat%C3%B3rio+de+AIR+sobre+Registro+de+Produtos+de+Terapias+Avan%C3%A7adas+no+Brasil.pdf/78a249d9-f7ec-48f5-864d-120812518008

4. FDA. Advice for People Considering Stem Cell Therapies https://www.fda.gov/consumers/consumer-updates/fda-warns-about-stem-cell-therapies

5. Berkowitz AL, Miller MB, Mir SA, et al. Glioproliferative lesion of the spinal cord as a complication of “stem-cell tourism.” N Engl J Med 2016;375:196-8.

6. Thirabanjasak D, Tantiwongse K, Thorner PS. Angiomyeloproliferative lesions following autologous stem cell therapy. J Am Soc Nephrol 2010;21:1218-22.

7. Albini T, Kuriyan AE, Townsend JH, et al. Vision loss consequent to intravitreal stem cell injection. Presented at the American Academy of Ophthalmology Annual Meeting, Las Vegas, November 13–14, 2015.

8. Marks P W,Witten M C, Califf R M. Clarifying Stem-Cell Therapy`s Benefits and Risk. N Engl J Med; 376:1007-1009, 2017.

9. EMA. Points do Consider on Implications on COVID-19 methodological aspects on ongoing trials. Acesso em: https://www.ema.europa.eu/en/documents/scientific-guideline/points-consider-implications-coronavirus-disease-covid-19-methodological-aspectsongoing-clinicaltien.pdf

Documento assinado eletronicamente por Renata Miranda Parca, Especialista em Regulação e Vigilância Sanitária, em 17/04/2020, às 17:11, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015 http://www.planalto.gov.br/ccivilti03/tiAto2015-2018/2015/Decreto/D8539.htm.

Documento assinado eletronicamente por Joao Batista da Silva Junior, Gerente de Sangue, Tecidos, Células e Órgãos, em 17/04/2020, às 17:16, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015 http://www.planalto.gov.br/ccivilti03/tiAto2015-2018/2015/Decreto/D8539.htm.

A autenticidade deste documento pode ser conferida no site https://sei.anvisa.gov.br/autenticidade, informando o código verificador 0980713 e o código CRC 11C34A35.