Diploma Legal: Resolução n° 13
Data de emissão: 05/06/2020
Data de publicação: 12/06/2020
Fonte: Diário Oficial da União
Órgão Emissor: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA
Nota da Equipe Legnet
O CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - CREMERS, no uso de suas atribuições legais e regulamentares conferidas pela Lei nº 3.268/1957 e pelo Decreto nº 44045/1958;
CONSIDERANDO a declaração de pandemia de COVID-19 realizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 11 de março de 2020 e a necessidade de realizar esforços no sentido de conter a disseminação da doença no Estado do Rio Grande do Sul;
CONSIDERANDO a Portaria nº454 do Ministério da Saúde publicada no DOU em 20 de março de 2020, que declara o estado de transmissão comunitária do novo coronavírus em todo o território nacional;
CONSIDERANDO A Lei 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do COVID-19 responsável pelo surto de 2019;
CONSIDERANDO, por fim, o quanto discutido e decidido em reunião realizada entre representantes do Grupo de Trabalho Covid-19/Cremers, da Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul e da Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul;, resolve:
Art. 1º Aprovar o PROTOCOLO DE DIRETRIZES PARA ATENDIMENTO E ALOCAÇÃO DE RECURSOS EM UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19, em anexo.
Art. 2º- As Centrais de Regulação de leitos do Estado e Municípios deverão seguir as normas do Ministério da Saúde, da Secretaria da Saúde do Estado (em especial a Portaria 299/2020), e da Comissão Intergestores Bipartite (Resolução CIB/RS n. 070/2020).
Art. 3º- Esta Resolução entra em vigor da presente data, revogando a Resolução CREMERS n.º 12, de 27 de maio de 2020, vigorando enquanto durar o estado de calamidade pública em razão da pandemia de corona vírus (COVID-19) no país.
EDUARDO NEUBARTH TRINDADE
Vice-Presidente do Conselho
ANEXO
PROTOCOLO DE DIRETRIZES PARA ATENDIMENTO E ALOCAÇÃO DE RECURSOS EM UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19
Considerando a atual pandemia de COVID-19, a iminente ameaça à saúde da população e o potencial crescimento do número de casos de infectados, o fato de os recursos em saúde (e, de maneira especial, em terapia intensiva) serem finitos, faz-se necessária a otimização dos recursos disponíveis e a importância da organização de fluxos, é de alta relevância estabelecer DIRETRIZES PARA ATENDIMENTO E ALOCAÇÃO DE RECURSOS em UTI, que não deverão substituir a avaliação médica das particularidades de cada caso.
Em virtude da rapidez com que novas evidências a respeito da pandemia de COVID-19 têm tornando-se disponíveis, poderão ocorrer mudanças nestas orientações a qualquer momento. Estas modificações serão comunicadas apropriadamente.
Introdução
A pandemia por COVID-19 está causando uma sobrecarga sem precedentes no sistema de saúde em diversos países afetados. As previsões para o nosso estado, projetadas pelo Departamento de Economia e Estatística do estado do Rio Grande do Sul1,2, sugerem que podemos sofrer o mesmo padrão de progressão da doença.
Como os recursos em saúde são finitos no que se refere à capacidade de atendimento de pacientes criticamente doentes, torna-se necessário organizar critérios que orientem o atendimento em unidades de terapia intensiva. Essa necessidade é imposta:
- Pela limitação de leitos disponíveis
-Pela provável alta demanda por tais leitos
-Pela necessidade de priorizar o atendimento para pacientes com probabilidade diagnóstica de infecção por COVID-19, de acordo com as orientações dos órgãos governamentais
-Pela existência de outros pacientes com necessidade de cuidados intensivos, não portadores de COVID-19, que continuarão existindo e demandando a atenção das equipes multidisciplinares de UTI
-Pela necessidade de destinar os recursos disponíveis para pacientes com uma probabilidade razoável de sobrevivência com qualidade de vida aceitável
As diretrizes sugeridas para orientar o atendimento em leitos de UTI (nível III) para pacientes suspeitos e confirmados COVID-19 são os seguintes, não sendo restritivos ou excludentes:
Critérios técnicos para orientar o atendimento e alocação de recursos em Unidade de Terapia Intensiva por COVID19:
1.Definir se o paciente preenche critérios de diagnóstico ou alta suspeita de COVID-19:
· Teste positivo para coronavírus SARS-CoV-2.
OU
· Histórico de: febre e/ou sintomas respiratórios (tosse seca ou produtiva, dispneia ou dor de garganta).
E
· Imagem de tórax com³1 das seguintes alterações: opacidades em vidro despolido, infiltrados localizados, infiltrados difusos bilaterais, envolvimento intersticial.
2.Definir se o paciente preenche critérios de admissão em unidade de terapia intensiva (UTI):
· Hipoxemia em adultos:
- Relação PaO2/FiO2£200mmHg
OU
- SpO2£90% com O2 nasal a 5L/minuto + frequência respiratória³22 respirações/minuto.
· Hipoxemia em crianças:
- Relação PaO2/FiO2 < 250mmHg
OU
- Taquipneia conforme a faixa etária (³60 respirações/minutos se <2 meses,³50 respirações/minutos se 2-11 meses,³40 respirações/minutos se 1-5 anos, >30 respirações/minutos se 6-14 anos).
· Choque circulatório.
· Rebaixamento agudo de sensório.
· Disfunção de múltiplos órgãos.
*Obs.: assume-se que pacientes já submetidos à intubação traqueal apresentassem critérios de hipoxemia com indicação de admissão em UTI.
Critérios para orientar a transferência entre Unidades de Terapia Intensiva (transferência para Unidade de Terapia Intensiva de maior complexidade):
1.Definir qual o recurso indisponível na UTI de origem e disponível na UTI pretendida:
· Equipamento adequado para ventilação mecânica invasiva.
· Hemodiálise contínua (para pacientes com indicação de terapia renal substitutiva, que estejam em choque circulatório e que não tolerem hemodiálise intermitente).
· Oxigenação por membrana extracorpórea - ECMO (para pacientes com síndrome da distrição respiratória aguda que apresentem hipoxemia e/ou hipercapnia refratárias a outras medidas de ventilação mecânica, incluindo ventilação em posição prona quando não houver contraindicação).
· Outro:
- Indicar qual e justificar.
2.Os médicos poderão solicitar parecer técnico de grupo de médicos intensivistas (consultores) dos hospitais de referência para COVID-19.
O Fluxo de regulação do acesso para Unidades de Terapia Intensiva por COVID19 deverá seguir as normas do Ministério da Saúde, da Secretaria da Saúde do Estado, em especial:
· PORTARIA DA SECRETÁRIA DA SAÚDE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (SES/RS) nº. 299/2020, que estabelece normativa geral para a Regulação de acesso às Internações Hospitalares do SUS, inclusive para o atendimento de pacientes com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) suspeitos/confirmados de COVID-19, âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, disponível em https://saude.rs.gov.br/upload/arquivos/202005/12095512-299.pdf;
· RESOLUÇÃO Nº 070/20 DA COMISSÃO INTERGESTORES BIPARTITE (CIB/RS), que Institui que os leitos hospitalares previstos no Plano de Contingência Estadual para o COVID-19, serão regulados pela Central Estadual de Regulação Hospitalar, do Departamento de Regulação Estadual, tendo em vista a necessidade de monitoramento dos casos em locais estratégicos do estado, conforme previsão do Plano de Contingência, disponível em https://saude.rs.gov.br/upload/arquivos/202003/27094358-cibr070-20.pdf.
A regulação do acesso à assistência no SUS deve observar o estabelecido nas referências entre unidades de diferente níveis de complexidade, de abrangência local, intermunicipal e interestadual, segundo fluxo e protocolos pactuados (Anexo XXVI da Portaria de Consolidação GM/MS n. 02/2017, disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prc0002_03_10_2017.html).
Alocação de leitos de unidade de terapia intensiva em caso de extrema desproporção entre oferta e demanda - questões técnicas e éticas - relação médico/paciente:
Todas as alternativas para atender completamente a demanda por recursos de saúde (e particularmente por leitos de UTI) devem ser esgotadas, incluindo a criação de novos leitos e as transferências entre instituições de saúde. No contexto de uma pandemia como a atual, entretanto, existe a possibilidade de extrema desproporção entre a oferta de recursos e a demanda por eles. Apenas nesta situação de esgotamento dos recursos para o atendimento de todas as pessoas que deles necessitem, poderá ser necessário utilizar critérios de alocação dos recursos, com priorização de casos.
Os critérios a serem utilizados incluem:
· urgência médica: segundo este racional, o recurso é alocado ao caso mais grave, independentemente de sua chance estimada de recuperação;
· utilidade: de acordo com este racional, o recurso é alocado ao caso com maior sobrevida estimada, independentemente de sua gravidade e de seu risco de óbito caso não recebesse aquele recurso;
· benefício: conforme este racional, sopesam-se urgência e utilidade, considerando-se a sobrevida da população de pessoas com indicação de receber o recurso (incluindo os casos que o receberão e aqueles que não o receberão), com o objetivo de produzir o maior impacto na sobrevida daquela população como um todo e não na dos indivíduos isoladamente. Assim, de acordo com esta lógica, priorizam-se os casos com a maior diferença entre as expectativas de vida caso recebam ou caso não recebam o recurso.
Compreende-se que, no contexto considerado nesta sessão, critérios de alocação de recursos que levem em conta o princípio do benefício talvez sejam os mais adequados. Na ausência atual de escores que auxiliem esta avaliação na pandemia de COVID-19, entende-se que a análise deva ser feita levando em consideração as particularidades de cada caso listado para transferência em um dado momento. Esta análise poderá considerar, entre outros, os seguintes parâmetros:
· gravidade dos casos e risco de óbito sem a transferência;
· complexidade de estrutura de saúde disponível no local em que os casos estão naquele momento;
· características biológicas e clínicas dos casos que possam influenciar na probabilidade estimada de reversão do quadro agudo (como comorbidades pré-existentes, entre outras).
Ainda que a análise dependa das características particulares dos candidatos à transferência a cada momento, segue guia para auxiliar na regulação dos pacientes, sem, no entanto, substituir o julgamento clínico dos médicos reguladores e dos médicos intensivistas consultores:
PRIORIDADE
CRITÉRIOS
VERMELHO
1
Paciente com critérios de diagnóstico ou alta suspeita de COVID-19, com indicação de admissão em UTI (vide item 1, acima), atendido em serviço sem UTI e que NÃO possua doença com prognóstico reservado (antes da COVID-19).
LARANJA
2
Paciente com critérios de diagnóstico ou alta suspeita de COVID-19, com indicação de admissão em UTI (vide item 1, acima), atendido em serviço com UTI, mas cuja UTI esteja lotada (lotação esgotada e sem possibilidade de leito extra comprovada pelo GERINT/ MAPA DE LEITOS ou declaração oficial da instituição), e que NÃO possua doença com prognóstico reservado (antes da COVID-19).
AMARELO
3
Paciente com critérios de diagnóstico ou alta suspeita de COVID-19, internado em UTI (vide item 1, acima), com indicação de transferência para UTI de maior complexidade (vide item 2, acima), e que NÃO possua doença com prognóstico reservado (antes da COVID-19).
VERDE
4
Paciente com critérios de diagnóstico ou alta suspeita de COVID-19, com indicação de admissão em UTI (vide item 1, acima), atendido em serviço sem UTI e que possua doença com prognóstico reservado (antes da COVID-19). Neste caso, proceder a regulação para serviço de emergência, com suporte adequado, conforme referência de porta de urgência do serviço solicitante.
AZUL
5
Paciente com critérios de diagnóstico ou alta suspeita de COVID-19 (vide item 1, acima), internado em UTI, e que possua doença com prognóstico reservado (antes da COVID-19).
Existem outros critérios que podem auxiliar a classificação da prioridade de cada paciente.
Alguns exemplos são:
•Proteína C reativa maior que 100 mg/l
•Linfopenia menor que 1500/μl
•Aumento dos níveisséricos de LDH
•Aumento dos níveisséricos de D-dímeros
•Doenças crônicas como fatores de má evolução: doença cardíacaprévia, doenças pulmonares crônicas, diabete melito, hipertensão arterial, câncer sólido ou hematológico
Estes critérios estarão disponíveis em um número pequeno dos casos. São de natureza técnica, e do ponto de vista pragmático tornam o processo de avaliação do paciente mais objetivo.
O fator etário gera uma discussão ética importante. A Resolução CFM 2156/2016 deixa explícito que não deve haver nenhum tipo de discriminação na seleção de pacientes que necessitem cuidados intensivos. Mas seu texto também contempla a necessidade de alocação dos recursos naqueles casos com maior chance de recuperação. A tomada decisória em circunstâncias de escassez de recursos - no exemplo de leitos de UTI, ou de ventiladores invasivos - apresenta um desafio ético e técnico ímpar. Todas as séries de pacientes publicadas até o momento identificam a faixa etária como um preditor fidedigno de maior mortalidade. Na verdade, 3/4 das mortes ocorrerão em paciente acima de 70-75 anos. Considerada a probabilidade de sobrevivência em uma situação de escassez de recursos, que já se apresentou como realidade em países europeus, discutir a questão da idade como critério de indicação para a admissão em leito de UTI parece relevante.
A alocação de recursos em situações de crise ou catástrofe não é algo novo na Medicina. Desde a grande epidemia de poliomielite que assolou diversos países na década de 1930, a alocação dos chamados "pulmões de aço" já era objeto de discussão, pois não havia disponibilidade suficiente dos equipamentos aos muitos pacientes sofrendo de paralisia respiratória bulbar.
A pandemia de H1N1 aguçou essa discussão sobre a alocação de recursos como ventiladores invasivos, e o estado de Nova York (EUA) publicou em 2015 o "Ventilator Allocation Guidelines - New York State Task Force on Life and the Law / New York State Department of Health". Este documento aborda de forma ampla as questões envolvendo a tomada decisória sobre a alocação de recursos - especificamente ventiladores invasivos - usando critérios objetivos e escalonares, dentro de uma perspectiva de melhor alocação possível de tais recursos. A tomada de decisão sobre a alocação do recurso é retirada do médico envolvido diretamente na assistência ao paciente, de forma que o mesmo possa continuar os cuidados, sem desviar sua capacidade para as múltiplas questões envolvidas neste processo de alocação.
Na Itália os profissionais da saúde, particularmente médicos, já enfrentaram o drama de não haver como oferecer suporte ventilatório a todos os pacientes necessitados. Essa situação levou a "Società Italiana di Anestesia Analgesia Rianimazione e Terapia Intensiva", entidade que reúne anestesiologistas e intensivistas no país, a publicar documento em março de 2020 entitulado "Raccomandazioni di etica clinica per l'ammissione a trattamenti intensivie per la loro sospensione, in condizioni eccezionali di squilibrio tra necessità e risorse disponibili". A diretriz aborda questões éticas e práticas das tomadas decisórias, suas consequências e como o profissional deve agir perante situações que demandem a alocação priorizada de recursos e assistência em paciente com infecção pelo COVID-19.
A Associação Brasileira de Medicina Intensiva (AMIB) publicou recomendações de "Princípios de triagem em situações de catástrofes e as particularidades da pandemia COVID-19". O documento oferece destaque a questões éticas, como os princípios da dignidade humana, a autodeterminação, a integridade e a vulnerabilidade. Também aborda a maneira pela qual o processo de tomada de decisões deve ser organizado, e as peculiaridades de uma função de alto desgaste emocional e conflito moral intrínseco.
Por fim, consideramos fundamental a discussão franca e transparente, junto de representantes do poder público, de decisões de alocação de recursos em UTI, também contemplando o cenário de situações de escassez. Essa discussão não pode ser postergada e realizada somente no caso de enfrentarmos um quadro catastrófico, pois neste momento não haverá tempo para a discussão, e os profissionais de saúde, particularmente os médicos, terão que carregar sozinhos o ônus de uma situação extraordinária com repercussões ainda não vislumbradas em toda a sua extensão.
FABIANO MÁRCIO NAGEL
Coordenador Grupo de Trabalho COVID-19
EDUARDO NEUBARTH TRINDADE
Vice- Presidente do Conselho