Diploma Legal: Nota Técnica Conjunta n° 4
Data de emissão: 17/03/2020
Data de publicação: 17/03/2020
Fonte: Diário Oficial da União
Órgão Emissor: MPT - MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
Nota da Equipe Legnet
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO — PROCURADORIA GERAL DO TRABALHO, pelo Procurador Geral do Trabalho in fine assinado, a COORDIGUALDADE – Coordenadoria de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho, instituída pela Portaria 273/2002, a CODEMAT – Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho, instituída pela Portaria n. 410/2003, a CONAFRET - Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho, instituída pela Portaria 386/2003, a CONAETE - Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, instituída pela Portaria 231/2002, e a CONAP – Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas na Administração Pública, instituída pela Portaria n. 409/2003, com fundamento na Constituição da República, artigos 5º, 7º, VI, XIII, XIV, XXII e XXXIII, 127, 196, 200 e 227, na Lei Complementar n. 75/93, artigos 5º, III, alínea “e”, 6º, XX, 83, V, e 84, caput, na Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (Decreto 6949/2009), na Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), na Lei n. 8080/90 (Lei Orgânica da Saúde), em razão da declaração de pandemia do novo coronavírus (SARS-COV-2) pela Organização Mundial da Saúde, ocorrida em 11 de março de 2020, bem como das medidas de contenção da doença anunciadas até o momento pelos órgãos governamentais de algumas unidades da Federação – Distrito Federal, São Paulo e Rio de Janeiro, Bahia, entre outros, expedem a presente Nota Técnica com o objetivo de indicar as diretrizes a serem observadas por empresas, empregadoras e empregadores, incluídas as plataformas digitais, sindicatos, órgãos da Administração Pública, nas relações de trabalho doméstico ou de prestação de serviços de limpeza, a fim de garantir a igualdade de oportunidades e de tratamento no trabalho.
Existem sete coronavírus humanos conhecidos, dentre os quais estão incluídos o causador da SARS (síndrome respiratória aguda grave), o da síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS) e o COVID-19. O conhecimento adquirido com os surtos e epidemias pretéritos tem orientado as medidas de precaução e prevenção adotadas para o novo coronavírus, cujo modo de transmissão e o comportamento da doença estão sendo estudados à medida que os casos são identificados, em especial em países com diferentes características climáticas e socioambientais.
A Occupational Safety and Health - OSHA elaborou classificação de graus de risco à exposição considerando as funções desempenhadas pelos trabalhadores, assim compreendidos: i) Risco muito alto de exposição: aqueles com alto potencial de contato com casos confirmados ou suspeitos de COVID-19 durante procedimentos médicos, laboratoriais ou post-mortem, tais como: médicos, enfermeiras, dentistas, paramédicos, técnicos de enfermagem, profissionais que realizam exames ou coletam amostras e aqueles que realizam autopsias; (ii) Risco alto de exposição: profissionais que entram em contato com casos confirmados ou suspeitos de COVID-19, tais como: fornecedores de insumos de saúde, e profissionais de apoio que entrem nos quartos ou ambientes onde estejam ou estiveram presentes pacientes confirmados ou suspeitos, profissionais que realizam o transporte de pacientes, como ambulâncias, profissionais que trabalham no preparo dos corpos para cremação ou enterro; (iii) Risco mediano de exposição: profissionais que demandam o contato próximo (menos de 2 metros) com pessoas que podem estar infectadas com o novo coronavírus (SARS-coV-2), mas que não são considerados casos suspeitos ou confirmados; que tem contato com viajantes que podem ter retornado de regiões de transmissão da doença (em áreas sem transmissão comunitária); que tem contato com o público em geral (escolas, ambientes de grande concentração de pessoas, grandes lojas de comércio varejista) (em áreas com transmissão comunitária); (iv) risco baixo de exposição: aqueles que não requerem contato com casos suspeitos, reconhecidos ou que poderiam vir a contrair o vírus, que não tem contato (a menos de 2 metros) com o público; profissionais com contato mínimo com o público em geral e outros trabalhadores.
Os sintomas variam de leves a muito graves, podendo chegar ao óbito em algumas situações, prevendo-se que o período de incubação, ou seja, o tempo entre a exposição ao vírus e o aparecimento dos sintomas, pode variar de 2 a 14 dias. A transmissão ocorre de pessoa a pessoa a partir de gotículas respiratórias ou contato próximo (dentro de 1 metro). Assim, pessoas em contato com alguém que tenha sintomas respiratórios (por exemplo, espirros, tosse, etc.) estão em risco de serem expostas a gotículas respiratórias potencialmente infecciosas.
As pessoas portadoras do vírus, mas sem manifestação ou com manifestações leves, dificultam o controle e aumentam a chance de propagação dos casos, o que levou diversos gestores públicos a determinar a suspensão das atividades em escolas e creches em diversas unidades da Federação (Distrito Federal, São Paulo e Rio de Janeiro entre outros). Os efeitos da determinação de medidas de isolamento, quarentena ou determinação compulsória de realização de exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, vacinação e outras medidas profiláticas ou tratamentos médicos específicos foram reguladas pela Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que no artigo 3º, § 3º, considera como falta justificada ao serviço ou à atividade laboral privada o período de ausência.
As medidas de segurança têm sido atualizadas, razão pela qual o presente documento deve ser acompanhado da atualização dos canais oficiais da Organização Mundial da Saúde (OMS), do Ministério da Saúde (MS) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), bem como das decisões administrativas adotadas pelos órgãos locais.
Diante da indiscutível importância de respeito às medidas adotadas, é necessário ressaltar o papel de toda a sociedade no esforço conjunto de conter a disseminação da doença (COVID-19), respeitando-se os direitos das trabalhadoras e trabalhadores com encargos familiares.
No Brasil, a Lei Orgânica da Saúde – Lei n. 8.080/90 prevê que a saúde é direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício (artigo 2º, caput). Porém, também deixa claro que o dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade (parágrafo 2º).
Do mesmo modo, o artigo 227 da Constituição da República e o artigo 7.2 da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência estabelecem ser dever da família, sociedade e Estado a garantia de proteção integral de crianças e adolescentes, como prioridade absoluta, incumbindo-lhes colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Situação prioritária esta que se repete em relação à pessoa idosa, pois nos artigos 3º e 4º da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A Convenção 156 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, ainda que não ratificada pelo Brasil, constitui marco normativo a ser utilizado como parâmetro para a interpretação legal na adoção de políticas pública ou decisões pelos poderes públicos, em todas as suas instâncias, para garantir a igualdade de oportunidades e de tratamento a trabalhadoras e trabalhadores com encargos familiares. Referidas normas devem integrar o conteúdo essencial do princípio da igualdade e não discriminação, previsto no art. 5º da Constituição da República. Em consequência, todas as empresas, empregadoras ou empregadores têm obrigação de adotar medidas necessárias para facilitar a compatibilidade da vida profissional e familiar em face das medidas adotadas pelos poderes públicos para a contenção da disseminação da doença COVID-19.
Nesse sentido, considerando-se a situação excepcional e motivo de força maior em razão da pandemia do coronavírus, as ausências ao trabalho ou a adaptação da prestação de serviços por força dos encargos familiares deverão ser estendidas às trabalhadoras e aos trabalhadores domésticos, bem como não poderão ser considerados como justa motivação para sanção disciplinar ou para o término de uma relação de emprego, podendo configurar atos discriminatórios, nos termos do artigo 373-A, II e III, da CLT, artigo 4º da lei n. 9.029/95.
Nesse contexto de esforço coletivo em prol de toda a sociedade brasileira, o Ministério Público do Trabalho ressalta que a valorização do trabalho é um princípio fundamental da sociedade brasileira (art. 1º da Constituição da República), cuja continuidade e estabilidade na prestação de serviços são fatores indispensáveis à paz social. Ademais, o trabalho é um determinante social que não pode ser esquecido (art. 3º da Lei n. 8.080/90) pelas medidas de contenção da disseminação da doença COVID-19.
Ante o exposto, diante das medidas de contenção da disseminação da doença coronavírus (COVID-19), ORIENTA-SE A ATUAÇÃO DAS PROCURADORAS E PROCURADORES DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, em especial das Coordenadorias Regionais da COORDIGUALDADE, CODEMAT, CONAFRET, CONAETE e da CONAP, da seguinte forma:
1. Recomendar às empresas, órgãos públicos, empregadores pessoas físicas, sindicatos patronais e profissionais, de todos os setores econômicos ou entidades sem fins lucrativos, que, nas medidas de flexibilização da prestação de serviços, assegurem a igualdade de oportunidades e de tratamento da pessoa que realiza o trabalho doméstico ou da trabalhadora ou do trabalhador de empresas prestadoras de serviços de limpeza ou de cuidado, adotando, dentre outras, as seguintes medidas:
a) GARANTIR que a pessoa que realiza trabalho doméstico seja dispensada do comparecimento ao local de trabalho, com remuneração assegurada, no período em que vigorarem as medidas oficiais de contenção da pandemia do coronavírus, excetuando-se apenas as hipóteses em que a prestação de seus serviços seja absolutamente indispensável, como no caso de pessoas cuidadoras de idosas e idosos que residam sozinhos, de pessoas que necessitem de acompanhamento permanente, bem como no caso de pessoas que prestem serviços de cuidado a pessoas dependentes de trabalhadoras e trabalhadores de atividades consideradas essenciais nesse período (artigo 3º, § 3º, da Lei n. 13.979/2020);
b) GARANTIR que trabalhadoras e trabalhadores domésticos sejam dispensados do comparecimento ao local de trabalho, com remuneração assegurada, pelo período de isolamento ou quarentena de seus empregadores (artigo 2º da Lei n.13.979/2020), caso tenham sido diagnosticados ou sejam suspeitos de contaminação da doença (artigo 3º, § 3º, da Lei n. 13.979/2020);
c) ESTABELECER política de flexibilidade de jornada, observados o princípio da irredutibilidade salarial e a manutenção do emprego, na ocasião em que serviços de transporte, creches, escolas, dentre outros, não estiverem em funcionamento regular em razão do atendimento a medidas oficiais de contenção da pandemia do coronavírus, quando houver impossibilidade de dispensar o trabalhador do comparecimento ao local de serviços;
d) ESTABELECER política de flexibilidade de jornada, observado o princípio da irredutibilidade salarial e a manutenção do emprego, em favor de trabalhadoras e trabalhadores domésticos ou de trabalhadoras e trabalhadores de empresas prestadoras de serviços de limpeza ou cuidado, para que assistam seus familiares doentes ou em situação de vulnerabilidade à infecção pelo coronavírus, em razão do atendimento a medidas oficiais de contenção da pandemia (artigos 2º e 3º, I, II, III, , da Lei n. 13.979/2020);
e) FORNECER às trabalhadoras e trabalhadores domésticos e diaristas, aí incluídos os intermediados por plataformas digitais, em razão do enquadramento do risco ocupacional, equipamento de proteção individual, consistente em luvas, máscara, óculos de proteção e álcool a 70% para higienização, quando houver suspeita de pessoa infectada residindo no local da prestação dos serviços e quando não for possível a dispensa do comparecimento, nos termos do item 1, conforme artigo 166 da CLT e § 3º do artigo 5º, a, da Lei 6.019/74;
e.1. É responsabilidade das empresas prestadoras de serviços de limpeza ou cuidado, com profissionais destacados para realizar suas atividades em outras empresas, órgãos públicos ou residências, o fornecimento do equipamento de proteção individual, acima referido, às trabalhadoras e trabalhadores, em qualquer modalidade de contratação;
f) GARANTIR, quando possível, que o deslocamento da pessoa que realiza o trabalho doméstico, da trabalhadora ou do trabalhador de empresas prestadoras de serviços de limpeza ou de cuidado, ocorra em horários de menor movimentação de pessoas, para evitar a exposição a aglomerações, em hipótese de utilização de transporte coletivo de passageiros;
g) SUGERIR que as medidas acima, itens “1.a” a “1.f”, sejam observadas também no caso de trabalhadoras e trabalhadores domésticos e cuidadores contratados na condição de diaristas, ou seja, sem vínculo de emprego formalizado.
Feitas essas considerações, o Procurador-Geral do Trabalho, a COORDIGUALDADE, a CODEMAT, a CONAFRET, a CONAETE e a CONAP, no âmbito de suas atribuições, orientam as procuradoras e procuradores do Ministério Público do Trabalho a acolher as sugestões supra elencadas, sem prejuízo de outras medidas pertinentes à espécie de acordo com o caso concreto, como forma de atuação resolutiva deste parquet a contribuir decisivamente nos esforços de todos os órgãos vocacionados à contenção da disseminação da doença coronavírus (COVID-19).
Brasilia-DF, 17 de março de 2020.
ALBERTO BASTOS BALAZEIRO
Procurador-Geral do Trabalho
ADRIANE REIS DE ARAUJO
Coordenadora Nacional da Coordenadoria de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho
ANA LUCIA STUMPF GONZALEZ
Vice Coordenadora Nacional da
Coordenadoria de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho
MÁRCIA KAMEI LOPEZ ALIAGA
Coordenadora Nacional
Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente de Trabalho
LUCIANO LIMA LEIVAS
Vice-Coordenador Nacional
Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente de Trabalho
ANA CRISTINA DESIRÉE BARRETO FONSECA TOSTES RIBEIRO
Coordenadora Nacional
Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas na Administração Pública
ILEANA NEIVA MOUSINHO
Vice-Coordenadora Nacional
Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas na Administração Pública
LYS SOBRAL CARDOSO
Coordenadora Nacional Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo
ITALVAR FILIPE DE PAIVA MEDINA
Vice-Coordenador Nacional
Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo
TADEU HENRIQUE LOPES DA CUNHA
Coordenador Nacional
Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho
CAROLINA DE PRÁ CAMPOREZ BUARQUE
Vice-Coordenadora Nacional
Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho