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UNIÃO - CORONAVÍRUS / FUNCIONAMENTO DE ÓRGÃO PÚBLICO / NOTA TÉCNICA CONJUNTA N° 6

22 Março 2020 | Tempo de leitura: 14 minutos
Diário Oficial da União

SOBRE DIÁLOGO SOCIAL, NEGOCIAÇÃO COLETIVA E ADOÇÃO DE MEDIDAS DE PROTEÇÃO AO EMPREGO E OCUPAÇÃO DIANTE DA PANDEMIA DA DOENÇA INFECCIOSA COVID-19


Diploma Legal: Nota Técnica Conjunta n° 6
Data de emissão: 22/03/2020
Data de publicação: 22/03/2020
Fonte: Diário Oficial da União
Órgão Emissor: MPT - MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

Nota da Equipe Legnet

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – PROCURADORIA GERAL DO TRABALHO, pelo Procurador-Geral do Trabalho, infra-assinado, e, por meio da COORDENADORIA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA LIBERDADE SINDICAL (CONALIS), em conformidade com o Plano de Ação do Grupo de Trabalho COVID-19 do MPT, criado pela Portaria PGT nº 470.2020, e no exercício das suas atribuições previstas na Resolução n. 137 do Egrégio Conselho Superior do MPT, bem como em observância da missão constitucional de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis e da tutela dos princípios de diálogo social, liberdade sindical e negociação coletiva insculpidos na Constituição Federal de 1988, emite a presente

NOTA TÉCNICA

com o objetivo de promover o diálogo social, a negociação coletiva e a proteção ao emprego e ocupação diante do contexto socioeconômico decorrente da pandemia da doença infecciosa COVID-19, nos seguintes termos:

1 – DOS FUNDAMENTOS FÁTICOS E JURÍDICOS

CONSIDERANDO a declaração da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 11 de março de 2020, de pandemia da Doença Infecciosa COVID-19, provocada pelo Novo Coronavírus (SARS-COV-2); cujo surto foi declarado Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional – ESPII, ou seja, o mais alto nível de alerta da OMS, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional;

CONSIDERANDO o fato notório da propagação comunitária (entre pessoas que não realizaram viagem internacional recente nem tiveram contato com pessoas que vieram do exterior, não sendo possível identificar a fonte de exposição ao vírus) da Covid-19 no Brasil, tendo o Ministério da Saúde Brasileiro declarado “em todo o território nacional, o estado de transmissão comunitária do coronavírus (covid-19)”, pela Portaria n. 454, de 20 de março de 2020;

CONSIDERANDO as medidas de urgência adotadas para se evitar a propagação do Novo Coronavírus, como a necessidade de isolamento social e quarentena de pessoas e populações em todo o mundo e no Brasil, nos termos da Lei n. 13.979/2020 e legislações correlatas, estaduais e municipais;

CONSIDERANDO os impactos socioeconômicos sobre os diversos setores da economia, devido à paralisação, redução ou suspensão de atividades, como medidas de contenção da propagação do Novo Coronavírus, com impactos financeiros e econômicos sobre os diversos setores empresariais de atividade econômica;

CONSIDERANDO os impactos econômicos já verificados pela pandemia da COVID-19 e os que ainda se verificarão, com reflexos diretos no emprego, na renda dos trabalhadores e trabalhadoras e no aumento da pobreza e, via de consequência, na incidência de irregularidades trabalhistas;

CONSIDERANDO a necessidade de medidas emergenciais e temporárias que possibilitem a adequação das condições de trabalho aos efeitos da atual crise sanitária, a fim de se garantir a sobrevivência de empresas e a preservação do emprego, ocupação e renda dos trabalhadores e trabalhadoras;

CONSIDERANDO que é princípio fundamental insculpido na Constituição Federal de 1988 de que a “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social” observados, entre outros, os seguintes princípios: (...) III - função social da propriedade; (...) VI - defesa do meio ambiente (...); VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

CONSIDERANDO que a República Federativa do Brasil rege-se pelos princípios da prevalência dos direitos humanos e da solução pacífica dos conflitos e da cooperação (art. 4º da Constituição Federal de 1988);

CONSIDERANDO que é dever do Estado Brasileiro e de toda a sociedade a efetivação dos princípios e objetivos da República Federativa do Brasil, insculpidos na Constituição Federal de 1998 (artigos 1º e 3º), dentre os quais destacamos a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; a construção de uma sociedade livre, justa e igualitária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização e redução as desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos;

CONSIDERANDO que o a Constituição da República de 1988 qualifica as entidades sindicais como representantes dos direitos e interesses dos trabalhadores (artigo 8º, III) e prevê princípio da autonomia privada coletiva (artigos 7º, XXVI e 8º, VI), o qual assegura o pleno reconhecimento das negociações coletivas como direito fundamental de todos os trabalhadores urbanos e rurais;

CONSIDERANDO o teor do art. 7º, VI, da CRFB/1988, que estabelece o direito fundamental à irredutibilidade salarial, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

CONSIDERANDO o fomento do diálogo social e o privilegiamento das negociações coletivas para a regulação das relações de trabalho pela Organização Internacional do Trabalho, por meio das suas Convenções e Recomendações, com destaque para as Convenções 98 e 154, ratificadas pelo Brasil, e das decisões do seu Comitê de Liberdade Sindical;

CONSIDERANDO a necessidade de o Estado garantir renda mínima pelo Estado, por meio de políticas que asseguram a subsistência material dos trabalhadores, principalmente diante de estados emergência e de calamidade pública;

2 – DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO DO EMPREGO E DA OCUPAÇÃO

Diante de todo o quadro socioeconômico decorrente da pandemia pela COVID-19, e das fundamentações fático-jurídicas acima expostas, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, por meio da sua COORDENADORIA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA LIBERDADE SINDICIAL (CONALIS) reputa essencial a adoção de medidas para a proteção do emprego e da ocupação, bem como de sustentabilidade das atividades econômicas das empresas, durante e após os impactos imediatos da pandemia sobre as relações de trabalho, de forma articulada com os diversos atores sociais, observados os seguintes pressupostos:

I. PROMOÇÃO DE DIÁLOGO SOCIAL TRIPARTITE, CONSOANTE PRECONIZADO PELA OIT, em matéria de condições de trabalho, emprego e ocupação, para o enfrentamento dos desafios socioeconômicos oriundos da pandemia da COVID-19, privilegiando-se a negociação coletiva para as matérias constitucionalmente delegadas pela Constituição Federal de 1988 (artigo 7º) à autonomia privada coletiva (acordos e convenções coletivas), como possibilidade de redução do salário, (inciso VI); redução e compensação de jornada (inciso XIII); jornada em turnos ininterruptos de revezamento (inciso XIV).

II. FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS E MEDIDAS DE GARANTIA DE EMPREGO E RENDA a todos os trabalhadores durante todo o período de adoção das medidas sanitárias, econômicas e sociais para enfrentamento da pandemia da COVID-19, com adequação aos diversos setores de atividade econômica, localidades e peculiaridades regionais.

III. FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS E MEDIDAS DE GARANTIA DO EMPREGO E DOS SALÁRIOS, durante todo o período da pandemia da COVID-19, a todos os trabalhadores de atividades e setores econômicos atingidos pelas políticas de saúde pública para enfrentamento da pandemia da COVID-19, como nas situações de paralisação ou redução de atividades das empresas dos setores atingidos.

IV. ARTICULAR E DEBATER COM OS ÓRGÃOS GOVERNAMENTAIS GARANTIA DE EMPREGO E SALÁRIOS E ADOÇÃO DE MEDIDAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE DOS TRABALHADORES, durante todo o período da pandemia da COVID-19, PELAS EMPRESAS OU SETORES QUE RECEBEREM DE GOVERNOS OU ÓRGÃOS ESTATAIS qualquer tipo de ajuda, auxílio, subsídios, subvenções, isenção total ou parcial de impostos, anistia, prorrogação ou suspensão temporária de dívidas ou qualquer incentivo ou benefício estatal de qualquer natureza; privilegiando-se a participação e o diálogo com as entidades sindicais nos respectivos processos de deliberação e decisão.

V. PRIMAZIA DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA E/OU DIÁLOGO COM AS ENTIDADES SINDICAIS para a adoção de quaisquer medidas de proteção à saúde, ao emprego e à ocupação pelas empresas; podendo-se proceder à instalação de COMITÊS DE CRISE com a participação de representantes dos sindicatos de trabalhadores e sindicatos patronais ou empregadores, com a utilização de meios telemáticos para deliberações e decisões.

VI. PRIORIZAÇÃO DE MEIOS ALTERNATIVOS PRÉVIOS A QUALQUER PLANO DE DEMISSÃO VOLUNTÁRIA (OU EQUIVALENTE) OU DISPENSA DE TRABALHADORES, com privilegiamento da negociação coletiva e/ou do diálogo com as entidades sindicais, para análise e adoção de medidas de redução de impacto na manutenção do emprego e da renda dos trabalhadores, observando-se o princípio da irredutibilidade salarial, com a obrigatoriedade de adoção gradativa de medidas de menor impacto aos trabalhadores, como:

a. Adoção de trabalho remoto (teletrabalho/home office);

b. Flexibilização de jornada;

c. Redução de jornada e adoção de banco de horas;

d. Concessão imediata de férias coletivas e individuais; sem a necessidade de pré-aviso de 30 dias de antecedência e/ou notificação de com 15 dias de antecedência para o Ministério da Economia, cientificando-se a entidade sindical representativa, antes do início das respectivas férias;

e. Concessão de licença remunerada aos trabalhadores;

f. Suspensão dos contratos de trabalho (lay off), com garantia de renda;

g. Outras medidas passíveis de adoção pela respectiva empresa ou setor de atividade econômica, com especial para a garantia de renda e salários.

VII. PRIMAZIA DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA E/OU DIÁLOGO COM AS ENTIDADES SINDICAIS PARA INSTITUIÇÃO DE QUALQUER PLANO DE DEMISSÃO VOLUNTÁRIA OU EQUIVALENTE; DISPENSA PLÚRIMA OU COLETIVA; devendo referidas medidas somente ser implementadas na insuficiência das demais medidas anteriormente citadas e de outras que sejam passíveis de adoção pela respectiva empresa ou setor;

VIII. POSSIBILITAR A FLEXIBILIZAÇÃO DOS REQUISITOS FORMAIS PARA A NEGOCIAÇÃO COLETIVA, como obrigatoriedade de assembleia presencial, diante de medidas de isolamento social e quarentena determinadas pelos órgãos públicos, podendo-se adotar meios telemáticos, céleres e eficazes para consulta aos trabalhadores e interessados;

IX. VIABILIZAR A ULTRANORMATIVIDADE DAS CLÁUSULAS COLETIVAS, observado o diálogo social, por todo o período de adoção das medidas sanitárias, econômicas e sociais para enfrentamento da pandemia da COVID-19, tendo vista as medidas de isolamento social e quarentena determinadas pelos órgãos públicos, por meio de vindicação das respectivas entidades sindicais profissionais ou por iniciativa das organizações de empregadores ou empresas, possibilitado o diálogo social por meios telemáticos; podendo-se dispensar a realização de assembleia, tendo sido a norma coletiva precedida do consentimento do colegiado de trabalhadores quando da sua aprovação;

X. PROMOVER MEDIDAS PARA A NÃO REALIZAÇÃO DE TRANSFERÊNCIAS DE EMPREGADOS PARA OUTRAS LOCALIDADES enquanto não houver sinalização das autoridades sanitárias de que estão sendo reduzidos os riscos e efeitos da pandemia da doença infecciosa COVID-19;

XI. PRIVILEGIAMENTO DOS MÉTODOS DE AUTOCOMPOSIÇÃO DE CONFLITOS por meio de pleno e amplo diálogo com as entidades sindicais, para o entabulamento de NEGOCIAÇÃO COLETIVA e MEDIAÇÃO, para quais o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, por meio de seus diversos órgãos em todo o país, coloca-se à disposição das entidades governamentais, empresariais e profissionais para proceder às mediações que forem necessárias com vistas ao entabulamento de pacto nacional global, pactos setoriais e negociações coletivas para resolução de questões pertinentes aos impactos decorrentes da pandemia de COVID-19 nas relações de trabalho.

3 - CONCLUSÃO

Em razão das fundamentações fático-jurídicas acima expostas, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, por meio da COORDENADORIA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA LIBERDADE SINDICAL (CONALIS), reforça a imperiosa necessidade de observância dos pressupostos acima indicados, para se garantir um amplo diálogo social e, por consequência, efetiva JUSTIÇA SOCIAL, no que se refere às medidas emergenciais a serem adotadas no âmbito das relações de trabalho em razão da pandemia da doença infecciosa COVID-19.

Brasília-DF, 22 de março de 2020.

ALBERTO BASTOS BALAZEIRO

Procurador-Geral do Trabalho

RONALDO LIMA DOS SANTOS

Coordenador Nacional da

Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical - CONALIS

CAROLINA PEREIRA MERCANTE

Vice-Coordenadora Nacional

Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical - CONALIS